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A Alta dos Juros e a Crise na Habitação

A Alta dos Juros e a Crise na Habitação

Alta da Selic Paralisa Soluções para Financiamento Imobiliário Barato

Enquanto a Caixa Econômica Federal redistribui recursos da poupança para evitar colapso, impasses sobre liberação de compulsórios e papel da Emgea dividem equipe econômica de Lula. Entenda os riscos e as apostas do Planalto.

A escalada da taxa Selic para 13,75% em 2023 – patamar que se mantém em 2024 – não só freou o crédito no Brasil como emperrou uma das principais bandeiras do governo Lula: a retomada do financiamento habitacional popular com taxas subsidiadas. Com a poupança esgotada e soluções alternativas travadas por divergências internas, o Executivo enfrenta um quebra-cabeça para cumprir promessas sem inflar a dívida pública ou pressionar a inflação.

1. Números Que Explicam a Crise:

  • R$ 60 bi: Volume do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo gerido pela Caixa em 2024 – igual a 2023.
  • 7,8 milhões: Famílias sem moradia no Brasil (dados Ministério das Cidades).
  • 13,75%: Selic atual vs. média histórica de 6,5% dos financiamentos SBPE.
  • R$1,3 tri: Ativos sob gestão dos fundos de pensão.

2. Entenda os Termos e Jargões:

  • Compulsórios: Reservas que bancos devem guardar no BC – hoje travam R$ 400 bi.
  • Securitização: Venda de direitos creditícios para liberar capital novo.
  • LCI: Letra lastreada em crédito imobiliário; isenta de IR para pessoas físicas, É uma espécie de cheque pré datado emitido pelo próprio Governo.
  • Debêntures: Títulos de dívida emitidos por empresas para captar recursos. É a versão do cheque pré datado emitido por Empresas

A reportagem apurou que dois projetos considerados vitais pelo Ministério das Cidades estão em “modo de espera”: a liberação de R$ 20 bilhões dos depósitos compulsórios da poupança, retidos no Banco Central (BC), e o fomento ao mercado secundário de crédito imobiliário via Emgea, empresa pública federal não financeira, vinculada ao Ministério da Fazenda e que poderia recomprar carteiras de bancos para “irrigar” o mercado com novos empréstimos. Ambos esbarram em resistências técnicas e no temor de impactos inflacionários em um ano de ajuste fiscal apertado.

A Crise da Poupança e o Cronograma de Emergência da Caixa
Responsável por 70% dos financiamentos do SBPE (Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo), a Caixa Econômica Federal admite que o custo do dinheiro subiu acima do suportável. “O SBPE é subsidiado: custa menos que a Selic atual”, explica Inês Magalhães, vice-presidente de Habitação da instituição, em entrevista exclusiva ao FolhaPress.

Para evitar um colapso como o de dezembro de 2023 – quando filas de espera por contratos se estenderam por meses –, a Caixa adotou um sistema de cotas regionais: R$ 60 bilhões do orçamento 2024 estão sendo liberados mês a mês, priorizando estados com maior demanda histórica. Medidas paliativas também entraram em cena: redução do valor máximo financiável (exigindo entrada maior) e lançamento de uma linha paralela com juros de mercado, assim como bancos privados, porém fica em média 30% mais cara que as taxas sociais.

O Impasse dos Compulsórios: Inflação vs. Crédito
A solução definitiva passa pela liberação de 5% dos depósitos compulsórios da poupança no BC – recurso que injetaria R$ 20 bilhões imediatamente no mercado. Porém, há uma guerra técnica em curso:e cada lado defende ferrenhamente seu ponto de vista, são eles:

  • Grupo 1 (BC e parte da Fazenda): defende que liberar recursos estimularia a economia e daria “sinal contrário” ao combate à inflação (IPCA fechou 2023 em 4,83%, acima do teto da meta).
  • Grupo 2 (Cidades e Desenvolvimento Social): argumenta que crédito imobiliário não afeta consumo imediato e é essencial para reduzir déficit habitacional (7,8 milhões de famílias sem moradia).

Não há consenso nem previsão para desbloqueio desses créditos.

Como a Selic Invibilizou a Securitização
Outra aposta do governo era a Emgea, estatal criada para recomprar carteiras de crédito dos bancos e revendê-las no mercado secundário – mecanismo que liberaria capital fresco para novos financiamentos. A alta da Selic, porém, inviabilizou o modelo. O problema está nos subsídios: boa parte dos contratos tem taxas abaixo do mercado (6%-8% ao ano), inviáveis diante da Selic atual (13,75%).

Se a Emgea adquirisse esses créditos abaixo do valor justo (para torná-los atraentes), assumiria prejuízos bilionários, essa proposta é claramente rejeitada pelo Tesouro e pela Controladoria-Geral da União (CGU).

Aposta nos Fundos de Pensão: Isenção Tributária Como Moeda
Sem saídas tradicionais, o governo migrou o foco para os fundos de pensão, que atualmente são gestores de R$ 1,3 trilhão em ativos. A ideia é replicar o modelo das debêntures de infraestrutura, transferindo a isenção de Imposto de Renda dos investidores para os emissores das LCIs (Letras de Crédito Imobiliário). Com isso, bancos poderiam oferecer retornos mais altos aos fundos sem elevar custos. “Se captarmos só 5% desse montante [R$ 65 bi], já seria revolucionário”, projeta Magalhães.

O setor imobiliário pressiona por regulamentação urgente: “É a única alternativa viável hoje”, diz Carlos Soares, presidente da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc).

Perspectivas: Quando a Selic Vai Cair?
Para especialistas, tudo depende do BC. “Se os juros caírem para 10% até 2025, projetos como o da Emgea voltariam à mesa”, analisa Juliana Inhasz, economista do Insper. Até lá, o governo navega entre pressões sociais por habitação e limites fiscais estreitos – um equilíbrio frágil num ano eleitoral.

 O Fundo Histórico Que Pode (Ou Não) Salvar o Crédito Habitacional

Enquanto o governo busca alternativas, um personagem pouco conhecido do grande público ganha destaque nos bastidores: o FCVS (Fundo de Compensação de Variações Salariais). Criado nos anos 1960 para proteger mutuários da inflação galopante da época, o fundo é hoje alimentado pelo Tesouro Nacional e tem R$ 45 bilhões em recursos – dinheiro que poderia ser usado pela Emgea para adquirir créditos imobiliários e reaquecer o mercado secundário.

A lei sancionada por Lula em 2023 autorizou a estatal a usar esses valores para comprar carteiras de financiamento dos bancos. Mas há um gargalo técnico: os contratos antigos têm taxas tão baixas (em média 6% ao ano) que se tornaram “tóxicos” diante da Selic atual. É matemática pura: se você comprar caro e vender barato vai ter prejuízo.

O Risco Político dos Subsídios Fantasma

O impasse não é apenas econômico, também é político. Qualquer operação deficitária da Emgea com recursos públicos poderia ser alvo de ações judiciais por improbidade, alertam advogados consultados. “Não há amparo legal para usar dinheiro do FCVS em operações com perda certa”, diz Rafael Souto, especialista em direito financeiro.

Para contornar o problema, uma saída seria reajustar as taxas dos contratos antigos, mas isso esbarraria em cláusulas de correção vinculadas à TR (Taxa Referencial), hoje zerada. “Estamos num beco sem saída técnica”, reconhece Magalhães.

Debêntures de Infraestrutura: O Modelo Que Inspira a Habitação
Enquanto a Emgea patina, o governo mira uma experiência bem-sucedida: as debêntures de infraestrutura. Desde janeiro de 2024, emissoras desses títulos podem usufruir isenção fiscal – antes restrita aos investidores. Resultado? A captação saltou 40% no primeiro trimestre, atraindo até fundos de pensão, que agora pressionam por regras claras para alocar até 15% de seus portfólios nesses papéis.

“Queremos replicar esse modelo nas LCIs”, diz Magalhães. A proposta em análise transfere a isenção do IR para os bancos emissores, permitindo que ofereçam retornos brutos mais altos – ideia já defendida pela Abrapp (Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar). “Se tivermos segurança jurídica, direcionaremos R$ 30 bilhões ao setor em dois anos”, promete José Roberto Santana, presidente da entidade.

O Calendário Eleitoral e a Pressão por Resultados
Com as eleições municipais se aproximando, a equipe econômima sabe que precisa mostrar avanços concretos na habitação – setor-chave para Lula reconquistar eleitores urbanos. Porém, alternativas rápidas esbarram no risco inflacionário.

“Não podemos repetir os erros do Minha Casa Minha Vida original, que acelerou a obra mas deixou um rombo de R$ 190 bilhões no Tesouro”, alerta Felipe Salto, economista-chefe da Warren Renaissa. A solução, segundo ele, está em parcerias com BNDES e agências internacionais para captar recursos externos a juros baixos – plano ainda engatinhando no Ministério do Desenvolvimento.

Enquanto isso, nas periferias das grandes cidades, o desespero cresce. “Juntei dinheiro por dez anos para dar entrada, mas agora os juros comeram meu orçamento”, desabafa Maria Souza, diarista de 54 anos na fila por um financiamento na Zona Leste de São Paulo. Ela conseguiu o dinheiro para dar entrada no seu apartamento, mas quando foi fechar negócio, a regra havia mudado e o dinheiro não seria mais suficiente. Para milhões como ela, o sonho da casa própria segue adiado – esperando não só queda da Selic, mas uma engenharia financeira que reconcilie subsídios e responsabilidade fiscal.

 

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