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A Voz Inesquecível da Música Brasileira se Cala aos 84 Anos

A Voz Inesquecível da Música Brasileira se Cala aos 84 Anos

Nana Caymmi, a Voz que o Tempo Não Levou, se Despede da Música Brasileira

“Longe, longe, ouço essa voz que o tempo não vai levar.” A frase eternizada por Nana Caymmi em “Sentinela”, composição icônica de Milton Nascimento e Fernando Brant, ecoa mais forte do que nunca após a despedida, aos 84 anos, da cantora considerada uma das maiores intérpretes da música popular brasileira. Nana Caymmi faleceu nesta quinta-feira no Rio de Janeiro, trazendo consigo um legado que marcou gerações e redefiniu os rumos da MPB.

Internada na Casa de Saúde São José, em Botafogo, Nana vinha enfrentando uma dura batalha contra uma arritmia cardíaca nos últimos anos, passando por diversas hospitalizações e procedimentos ― incluindo a implantação de um marca-passo e, posteriormente, uma traqueostomia. Segundo sua assessoria de imprensa, a causa oficial do falecimento foi falência múltipla dos órgãos, após um doloroso período de nove meses de internação em UTI, como declarou seu irmão, Danilo Caymmi: “Ela penou nove meses de sofrimento dentro de uma UTI,” lamentou, reforçando a dor da família diante de uma perda irreparável para a cultura brasileira.

Filha mais velha do imortal Dorival Caymmi e da cantora Stella Maris, irmã dos músicos Dori e Danilo, Dinahir Tostes Caymmi já era Nana quando, aos 19 anos, surgiu como intérprete no disco do pai, marcando sua trajetória precoce no universo da canção brasileira. Desde então, firmou-se como a voz definitiva da obra de Dorival, eternizando clássicos como “Acalanto”, “Adeus”, “Das Rosas” e “Morena do Mar”.

Em 1980, sua participação em “Sentinela” ao lado de Milton Nascimento foi mais um testemunho da força de sua voz ― poucos seriam tão grandes e marcantes ao lado de Milton naquele auge artístico. O timbre quente e ressonante da família Caymmi, o controle magistral da respiração, da afinação e o vibrato preciso tornaram Nana uma intérprete única: palavra a palavra, era capaz de transformar canções em experiências viscerais para quem ouvia.

Sua carreira brilhou também além das fronteiras brasileiras, como no sucesso de “Nana Caymmi” (1973), gravado e lançado na Argentina, e em temporadas lotadas naquele país nos anos 1970. Trabalhou ao lado de arranjadores lendários ― Oscar Castro Neves (“Nana”, 1967), seu irmão Dori (“Nana Caymmi”, 1975, e tantos outros), Wagner Tiso, João Donato, Cesar Camargo Mariano (“Voz e Suor”, 1983) ― e interpretou os maiores compositores nacionais, de Vinicius de Moraes a Ivan Lins e João Bosco.

Na década de 1990, Nana se dedicou a projetos temáticos, homenageando Dolores Duran em “A Noite do Meu Bem” (1994) e gravando álbuns de bolero. Com arranjos de Cristóvão Bastos, registrou um de seus maiores legados: “Resposta ao Tempo” (1998). A canção não apenas embalou a minissérie “Hilda Furacão”, mas se tornou um hino existencial, eternizada no imaginário nacional.

Foram dezenas de álbuns, entre coletâneas e projetos especiais, inclusive dedicados inteiramente à obra do pai (“O Mar e o Tempo”, 2002) e ao repertório de Tom Jobim (“Falando de Amor”, 2005). Seu último disco de estúdio, “Nana Caymmi Canta Tito Madi” (2019), confirmou sua relevância e potência vocal até o fim.

Além da carreira, Nana viveu intensamente. Casou-se ainda jovem, teve três filhos (sendo o caçula, João Gilberto, a quem se dedicou integralmente após um grave acidente), e relacionou-se com nomes como Gilberto Gil, João Donato e Cláudio Nucci.

Apesar de polêmicas políticas, como sua declaração de apoio a Jair Bolsonaro em 2018, nunca se afastou da música ou de homenagens aos pais Dorival e Stella Maris, falecidos em 2008. Nana também influenciou diretamente novas gerações de intérpretes, como Mônica Salmaso, mantendo viva a escola vocal e estilística dos Caymmi.

Até seus últimos momentos em estúdio, como no álbum “Nana-Tom-Vinicius” (2020), sua voz seguia intacta — categoria, sensibilidade e paixão, marcas de uma trajetória sem crise de estilo: fiel à canção digna, emocional e atemporal.

Em “Resposta ao Tempo”, Nana deixa um testamento poético: “Ele zomba do quanto eu chorei / Porque sabe passar / Eu não sei.” Foi-se Nana, mas sua voz, de fato, o tempo não levou. Permanece viva, ressoando na história afetiva e artística do Brasil, testemunho de uma beleza sem igual.

Não deixe de explorar a discografia de Nana Caymmi e revisitar suas principais performances, para sentir a potência de um timbre que ecoou — e continuará ecoando — muito além do tempo.

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