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O Sistema Prisional Alemão que Transforma Presas em “Vizinhas de Amanhã”

O Sistema Prisional Alemão que Transforma Presas em “Vizinhas de Amanhã”

Como o País convive com Dois Sistemas Prisionais tão Diferentes?

Em um bairro residencial de Lichtenberg, um prédio creme com janelas amplas e grades discretas passa despercebido entre escolas e escritórios. Não há muros altos ou guaritas armadas: apenas uma porta de metal que se abre para a calçada. Este é o Presídio Feminino de Lichtenberg, símbolo do modelo alemão que prioriza a reintegração social sob o lema “O preso de hoje é seu vizinho de amanhã”. Mas até que ponto a realidade corresponde ao ideal?

Uma Prisão (Quase) Invisível

A poucos quarteirões da estação Magdalenenstrasse e próximo a um memorial da Stasi — ironicamente, uma antiga prisão da polícia secreta da Alemanha Oriental — o presídio de Lichtenberg desafia estereótipos. Durante visita da reportagem, uma cena comum chamou atenção: uma mulher abraçava um homem na entrada antes de se entregar voluntariamente à custódia. “Aqui, elas entram e saem com dignidade”, explica Silvia Rodrigues, diretora filha de portugueses que comanda a unidade.

Com quartos individuais equipados com banheiro privativo e TV — além da possibilidade de comprar frigobares e cosméticos com salários do trabalho interno — o local recebe mulheres cis e trans em regimes aberto e fechado. “Não queremos que o cárcere seja uma punição além da privação de liberdade”, afirma Rodrigues.

Entre Avanços e Paradoxos

O sistema não está livre de críticas. Franziska Duda, do Justice Collective, aponta contradições:

65 mil alemães são presos anualmente por não pagar multas menores (como sonegação de transporte público);
  • O custo diário por detenta chega a €190 (R$ 1.100), gerando debates sobre eficiência;
  • A reincidência permanece alta (“A prisão cria identidade criminal”, diz Duda).

Enquanto isso, dentro de Lichtenberg — onde heroína domina o tráfico — funcionários admitem ser “impossível barrar totalmente drogas”. A solução? Distribuição pioneira de seringas esterilizadas para reduzir hepatite e HIV, prática única na Alemanha mas adotada na Suíça e Espanha.

Frankfurt: O Outro Lado da Moeda

Se Berlim aposta na integração urbana, Frankfurt 3 ressurge como contraponto: muros cinza com arame farpado lembram filmes hollywoodianos. Dentro das celas privativas, porém há humanização: fotos de familiares enfeitam paredes lilás tricotadas por detentas; TVs exibem Friends em loop; espelhos são substituídos por superfícies reflexivas anti-quebra.

No mesmo complexo há alas para mães com filhos até 3 anos: berços coloridos contrastam com câmeras 24h nos corredores pintados de coelhinhos — um “cárcere lúdico” sob vigilância implacável. “Queremos proteger as crianças sem ignorar a realidade prisional”, justifica um guarda sem uniforme na área materno-infantil.

Guerra na Ucrânia e Brasileiras no Cárcere Alemão

A invasão russa à Ucrânia ecoou nas celas: detentas dos dois países são separadas para evitar conflitos em Berlim — onde 38% das presas são estrangeiras. Em março de 2023, Kátyna Baía e Jeanne Paollini, um casal de brasileiras, viraram protagonistas de um drama internacional ao serem presas na Alemanha, acusadas de tráfico de drogas. O equívoco começou no Brasil, durante uma conexão no aeroporto de Guarulhos, São Paulo, onde suas bagagens foram trocadas por uma quadrilha especializada no tráfico internacional de entorpecentes.

Um Erro com Consequências Seriamente Reais

Ao desembarcarem em Frankfurt, as autoridades alemãs as detiveram ao encontrarem cocaína nas malas, uma descoberta que transformou suas férias planejadas em um pesadelo jurídico. Ambas passaram cerca de um mês em uma cela do Presídio Frankfurt 3, conhecido por suas rígidas condições de segurança e estrutura austera comparada a outros estabelecimentos penais do país.

A Realidade Dentro das Grades

Em conversas após a libertação, Kátyna e Jeanne descreveram o ambiente no presídio como “precário”, destacando problemas de acomodação e higiene. Embora o sistema alemão preze pela reabilitação, muitas unidades, como a de Frankfurt, ainda enfrentam desafios críticos:

Condições Insalubres: As detentas relataram sobreposição nas acomodações e a falta de acesso adequado a produtos de higiene pessoal.

Isolamento e Incerteza: A barreira do idioma e a complexidade dos procedimentos legais alemães contribuíram para uma sensação de desamparo e isolamento.

A Revelação da Verdade e o Caminho para Casa

Foi apenas através de um intenso trabalho de investigação das autoridades brasileiras e pressão diplomática que a troca de malas foi finalmente comprovada, levando à libertação do casal. “Foi um alívio indescritível quando a verdade veio à tona”, comentou Jeanne, relembrando os momentos de angústia.

Repercussões e Reflexões

O caso das brasileiras lançou uma luz sobre a vulnerabilidade de viajantes internacionais e os riscos associados a falhas logísticas em grandes hubs aéreos como Guarulhos. Além disso, gerou debates sobre:

Segurança Aeroportuária: O episódio evidenciou lacunas nos procedimentos de segurança aeroportuária e a necessidade de sistemas mais robustos contra crimes organizados.
  • Direitos dos Detidos no Exterior: A experiência de Kátyna e Jeanne destaca a importância de suporte consular eficiente e a revisão de protocolos para estrangeiros em sistemas judiciários complexos.

O modelo alemão equilibra-se entre inovação e dilemas éticos: enquanto Lichtenberg investe em dignidade carcerária para reduzir estigmas, Frankfurt 3 revela que mesmo prisões “humanizadas” mantêm marcas do encarceramento tradicional. Para especialistas como Duda, o foco deveria ser alternativas à prisão. Enquanto isso, as paredes lilás das celas continuam testemunhando histórias de redenção, ou repetição.

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