No Brasil, a taxa de jovens acima do peso pode chegar a 50% até 2035
SÃO PAULO, SP – A obesidade é uma condição multifatorial, mas durante muitos anos foi compreendida – de forma equivocada – como um problema relacionado apenas à falta de força de vontade ou compulsão alimentar.
Como resultado, houve um atraso de mais de 20 anos nos estudos para terapias e prevenção da obesidade, segundo a endocrinologista inglesa Rachel Batterham, professora de obesidade, endocrinologia e metabolismo na University College London (UCL). Batterham também fundou o Centro de Cirurgia Bariátrica para Controle do Peso e do Metabolismo da Fundação Trust do Sistema Nacional de Saúde, ligado à UCL.
Além disso, Batterham é vice-presidente de assuntos médicos da farmacêutica Eli Lilly, fabricante da tirzepatida (comercializada como Mounjaro), aprovada no último ano pela Anvisa para o tratamento de diabetes tipo 2.
A droga também teve sucesso em estudos clínicos globais, reduzindo mais de 24% do peso em pacientes com obesidade ou outras comorbidades. Segundo Batterham, as terapias injetáveis, como a tirzepatida e a semaglutida (componente do Ozempic e Wegovy), só existem devido ao conhecimento acumulado nas últimas duas décadas sobre a cirurgia bariátrica.
“Não há um único tipo de obesidade, e muitos fatores contribuem para essa condição, incluindo fatores genéticos e ambientais, que desempenham um papel fundamental na prevalência da obesidade. Enquanto a visão anterior era de que tudo dependia apenas da força de vontade, agora entendemos o papel crucial da genética no risco de obesidade”, afirmou Batterham em uma entrevista exclusiva por vídeo de sua casa, em Londres.
Ela enfatiza a necessidade de acabar com o estigma em torno da obesidade e seu impacto na saúde. “É uma doença caracterizada pelo acúmulo de tecido adiposo, principalmente na região abdominal, e está associada a uma inflamação que pode levar a outras complicações,” explicou, mencionando que o Reino Unido agora usa a proporção entre a largura da cintura e a altura para diagnosticar obesidade.
Batterham comparou os tratamentos conhecidos para a obesidade aos tratamentos para o câncer. “Um paciente com câncer passa por uma avaliação multidisciplinar para determinar se precisa de quimioterapia, radioterapia ou cirurgia. A mesma abordagem deve ser usada para pessoas com obesidade. A cirurgia bariátrica não é necessariamente a melhor opção para todos os 1 bilhão de pessoas com obesidade. O tratamento certo para a pessoa certa no momento certo é fundamental.”
Identificar os fatores que podem agravar a obesidade no futuro é essencial, pois a obesidade e outras doenças associadas são responsáveis por um elevado número de mortes prematuras em todo o mundo. “A obesidade causa mais de 200 complicações de saúde e pode levar à morte prematura. Se identificarmos precocemente, por exemplo, em crianças, podemos focar na prevenção ou iniciar o tratamento muito mais cedo, evitando problemas de saúde 40, 50 anos depois”, afirmou.
Sobre qual medicamento é mais eficaz para obesidade e perda de peso associada ao tratamento de diabetes tipo 2, Batterham evitou respostas diretas, mas destacou que levantamentos independentes – realizados por pesquisadores que não são ligados à Lilly – encontraram maior perda de peso nos usuários de Mounjaro em comparação com Ozempic ou Wegovy.
Nesta segunda-feira (22), pesquisadores da Johns Hopkins University e do departamento de medicina da Universidade de Northwestern, nos Estados Un
idos, publicaram uma revisão de estudos globais de diferentes drogas antiobesidade no periódico científico JAMA. O estudo revelou que os usuários de tirzepatida tiveram uma perda de peso média de 12,4%, em comparação com 11,4% dos usuários de semaglutida.
“É importante notar que os estudos [do Ozempic e Mounjaro] ocorreram em diferentes populações e têm desenhos diferentes, portanto, não podem ser comparados diretamente. Um estudo comparativo chamado Surpass, no qual parte dos participantes recebeu Mounjaro e parte Ozempic, mostrou maior perda de peso nos usuários de tirzepatida. Os resultados finais devem ser divulgados no próximo ano.”
O IMC (índice de massa corpórea), calculado dividindo o peso pela altura ao quadrado, valor usado para cálculos de prevalência nacional, não é mais recomendado para diagnóstico individual. Batterham menciona a esperança de que ferramentas mais sofisticadas para identificar fenótipos associados à localização do excesso de tecido adiposo e maior risco de obesidade sejam desenvolvidas na próxima década.
A obesidade infantil é uma grande preocupação, visto que está aumentando em todo o mundo. Segundo o último Atlas da Federação Mundial de Obesidade, 22% (430 milhões) das crianças no mundo eram obesas em 2019, número que pode subir para mais de 39% (770 milhões) até 2035.
No Brasil, a taxa de jovens acima do peso pode chegar a 50% até 2035. Até o momento, o Mounjaro é restrito a maiores de 18 anos. Já o Wegovy (semaglutida), da Novo Nordisk, foi aprovado no ano passado para o tratamento de obesidade em adolescentes a partir de 12 anos, mas o acesso ainda é limitado devido ao alto custo.
Em relação ao acesso, a Eli Lilly está empenhada em expandir seus medicamentos em todo o mundo para combater a obesidade, desenvolvendo novas drogas com maior impacto na perda de peso e medicamentos que possam ser armazenados mais facilmente, como comprimidos, ao invés de canetas injetáveis que precisam de refrigeração.
“Estamos investindo cerca de 27% de todo nosso orçamento para focar na obesidade, com o objetivo de realmente impactar a saúde das pessoas afetadas. Claro, todos são livres para tomar suas próprias decisões, mas é meu dever, como médica, informar sobre os riscos [da obesidade] e que isso pode ser tratado”, conclui.
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