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Empresário Argentino Desabafa Sobre Fechamento de Fábrica Após Medidas de Milei

Empresário Argentino Desabafa Sobre Fechamento de Fábrica Após Medidas de Milei

A fábrica de assentos para bicicletas fechou as portas no fim de junho, após 56 anos de atividade.

SÃO PAULO, SP – Para o argentino Rogelio Bella, de 45 anos, será um desafio imaginar a vida daqui para frente sem a Bicipartes El Miguelito. A fábrica de assentos para bicicletas fechou as portas no fim de junho, após 56 anos de atividade.

O negócio, iniciado por seu pai, empregava 12 pessoas, algumas delas há mais de 30 anos, e sobreviveu a várias crises econômicas que abalaram a Argentina.

A mais marcante na memória de Rogelio é a do “corralito”, em 2001, que restringiu os saques bancários dos argentinos, provocou a renúncia do presidente Fernando de la Rúa e resultou em mais de 30 mortes.

No entanto, a empresa não resistiu ao pacote de austeridade de Javier Milei.

As medidas implementadas pelo presidente para conter a inflação afetaram drasticamente o consumo. O PIB (Produto Interno Bruto) caiu 5,1% no primeiro trimestre em comparação ao mesmo período de 2023, e o governo sacrificou aposentadorias, demitiu servidores e interrompeu obras públicas. Veja o relato de Rogelio Bella.

“A empresa começou em 1968 com meu pai, que fabricava capas para assentos em um quartinho de casa. Naquela época, eles eram de aço e usavam uma capa de borracha costurada com diferentes tecidos, frequentemente decorados com bandeirinhas de clubes de futebol. Ele costurava com meus avós e sua namorada, que mais tarde se tornou minha mãe.

No final dos anos 80 e início dos anos 90, houve uma reestruturação para fabricar o modelo atual, de base plástica. Mais tarde, meu pai conseguiu um sócio e o filho dele esteve comigo até o fechamento; éramos a segunda geração à frente do negócio.

De certa forma, toda minha vida girou em torno da empresa desde muito cedo. Estudei em uma escola técnica e, durante os verões, trabalhava algumas horas para juntar dinheiro e sair com amigos. Já faz cerca de 23 anos que estou na gerência.

Aprendi a andar entre as máquinas. Quando era pequeno, ver tudo funcionando era como me imaginar na NASA. Na adolescência, tive uma ideia para resolver um problema na fabricação dos assentos que foi usada até o último dia. Na época, me senti meio como Einstein pela descoberta. Viajei por todo o país durante muitos anos graças à empresa. Tenho lembranças inesquecíveis.

Somos de Carrizales (província de Santa Fé), um povoado de 1.000 habitantes a 60 quilômetros de Rosário, e dávamos trabalho a 12 famílias daqui. Dá para imaginar o que isso significa: não há outras oportunidades de trabalho, é um lugar muito vinculado à atividade agrícola e éramos, basicamente, a única indústria local.

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Era a única empresa que, durante mais de 50 anos, ininterruptamente fabricou o produto no país. Em Buenos Aires, há algumas empresas muito menores que fazem um pouco, e a maioria da produção é importada. Acredito que, como fábrica nacional, éramos a de maior presença no mercado.

Sobrevivemos à crise de 2001, do ‘corralito’, e a muitas outras. Produzíamos um produto cujo principal competidor na Argentina é a importação. É difícil competir com os preços do Brasil e, sobretudo, com os da China. Temos um problema sério com a diferença que pagamos pelas matérias-primas em relação ao que paga um industrial brasileiro ou chinês.

A empresa tinha um ponto de equilíbrio mensal de entre 7.000 e 8.000 unidades. De janeiro até 30 de junho, quando fechamos, não vendemos 8.000 unidades. Não é que não chegamos a isso nas vendas mensais; não vendemos 8.000 unidades em seis meses. Foi um duro golpe para uma empresa como a minha, que vivia unicamente das vendas.

Ficou impossível de sustentar. Começamos a consumir nossas reservas, nossas economias, e chegamos ao ponto em que já não havia mais o que queimar, nem para pagar salários, nem para comprar matérias-primas. Então, tomamos a triste decisão de fechar as portas.

A parte mais difícil disso foi dizer que as pessoas perderiam seus empregos, algo que não desejo nem ao pior dos meus inimigos. Dos 12 funcionários, 6 tinham mais de 30 anos de empresa e os outros tinham 18, 17, 15, 12 anos.

O futuro também é complicado, pois temos que juntar um monte de dinheiro para pagar as indenizações. Estamos colocando todo o nosso capital, que levamos 50 anos para construir, à venda para pagar os empregados, para que eles tenham ao menos algo em que se agarrar.

A verdade é que não vejo que a economia argentina irá se recuperar. Cerca de 70% do emprego no país é gerado pelas pequenas e médias empresas, que estão sendo maltratadas por este governo: usando desde regimes de incentivo para grandes investidores externos que vão competir de forma totalmente desleal até a profunda recessão em que se encontra o país e a consequente falta de vendas.

Não sou otimista com o futuro econômico, e isso nem é o que mais me preocupa. Temo que venha uma destruição do tecido social que pode nos colocar em um novo 2001. Do fundo do meu coração, tenho medo de que novamente voltemos a ver as imagens que tanto doeram aos argentinos.

Sinto que somos invisíveis. Não tenho o telefone de ninguém; imagine, estou em um povoado pequeno. Mas pelo X, como se chama o Twitter agora, tentei falar com pessoas de todo o amplo espectro da política argentina. A verdade é que a ninguém interessou a história e isso também me preocupa.

Deste governo não espero nada, mas que ninguém tenha ligado para oferecer uma mão me preocupa muito. Mas essa é a história deste país. A política está cuidando de seus privilégios e quem trabalha está sobrevivendo mal.”

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